terça-feira, 13 de abril de 2010

premiere

a ânsia da primeira vez. a ânsia de uma coisa que certamente será deliciosa. a ânsia daquela coisas que não temos bem certeza se são erradas ou não. certeza se devemos ou não fazer. aquilo que se sente só uma vez na vida. sim, pois para tudo existe uma, uma primeira vez. e depois da primeira - por mais que queiramos, e que o digam os anos - não existe outra primeira vez. depois vem a segunda. a segunda, aqui ou alí, até pode ser melhor que a primeira, mas não é igual - nenhuma vai ser. não é mais a iminência do desconhecido. a borda da mata fechada [que já foi desbravada]. é a medalha de prata. depois vem a de bronze e sabe-se lá o que é chegar na de plástico ou material pior. até vem uma medalhinha de prata vezenquando na vida, a de ouro, no entanto, é única, e fica lá, na parede de dentro, pendurada ao lado de algumas fotos. única, pelo menos nesse sentido específico de gostosamente sôfrega ânsia. o negócio não é mais errado. deve-se fazer -nem que por gabo. e tudo, de repente, fica banal, como o centrifugar da máquina de lavar roupas.

inspirado por pequeno monstro, caio fernando abreu

sábado, 23 de janeiro de 2010

seymour

Às vezes eu me pergunto (se você espera uma resposta pode parar por aqui) o porquê ler. E talvez ainda mais inquietante seja o porquê escrever. A cada livro que termino, com ele fechado nas mãos, o dedo polegar ainda dentro como que marcando uma página que não mais precisa ser marcada, deitado na cama (só consigo ler deitado na cama com uma pilha de travesseiros absorvendo meus pensamentos) e tendo gostado muito ou pouco (se o começo não me seduz sinceramente não termino) fico pensando se viveria diferentemente se não o tivesse lido. Tantas pessoas nunca leram um livro em todas suas vidas e talvez – certamente – são muito mais felizes que eu. Mas é claro, quem disse que livros foram feitos para o alcance da felicidade? Salvo os livros de auto-ajuda obviamente, mas perdoem-me seus escritores e seus leitores possíveis de estarem lendo aqui, mas não os considero leitura válida tampouco literatura. Sim, visto que não acredito que ninguém possa ensinar ninguém a ser feliz, ainda mais se for com um livro que se chama (por exemplo) os cem segredos das pessoas felizes. As pessoas têm que aprender a ser felizes. Errando ou acertando. Difícil? Muito! Sobretudo para as pessoas pensantes. E é aí que entra a história da leitura. Creio com veemência que se lesse (não que eu leia muito) ou que se escrevesse (não que eu escreva muito) menos ou nada, eu seria mais feliz. Seria mais burro é claro (pelo menos academicamente falando – mas também, saber tanta coisa pra quê?), mas absolutamente mais feliz. Afinal, quem não “estuda”, não consegue colocar assuntos em crise (seus próprios e mesmo do mundo). Enquanto eu fico tentando achar – e entender – meus problemas e dos outros pra pensar e escrever a fim de ser um grande escritor (modéstia nunca foi meu forte) os outros saem pra uma pelada ou ir ao cinema ver um filme hollywoodiano estratégica e veladamente imperialista enquanto se chafurdam em um balde de pipoca e se afogam em refrigerante ao enfiarem as mãos no meio das pernas da pessoa ao lado.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

carne podre

a carne apodrecia lentamente na poltrona. as moscas rodeavam e aos poucos depositavam seus ovos na carne putrefa. o gatinho por sua vez brincava de correr atrás das mosquinhas e afundava sem querer as patinhas na carne podre. e com o tempo o cheiro ia aumentando e chamando mais gatos da vizinhança que vinham ver que carne era aquela. e quando menos se esperava havia animais de todo tipo na sala rodeando a poltrona e começando a comer a carne. primeiro as partes mais salientes como dedos e nariz. depois as partes mais nobres como o pênis e os peitos. os suculentos peitos se mostraram, infelizmente, uma decepção, visto que silicone industrial não é muito agradável ao paladar dos animais. o cheiro da carne, se é que tinha jeito, começou a ficar mais insuportável ainda. o patchuli na mesinha de canto já não mascarava mais o fedor da carne podre. a vizinhança começou a se preocupar. começaram a ligar na casa, a bater na porta, mas nada. ninguém para explicar o cheiro de podridão que vinha de lá. a única saída era a polícia. bateu na porta, ameaçou arrombar, e sem resposta, foi o que fizeram. logo depois do arrombamento, passada a cegueira torpe nauseante causada pelo cheiro, eles puderam ver a cena de horror: um cadáver rodeado de animais e insetos. sem possível identificação certeira com relação ao gênero. o cadaver vivia uma situação nada diferente do que morrera em vida.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

a viajem

''com quem eu falo?'' ''não reconhece mais a voz da sua amiga de guerra sua vagabunda?'' ''madá! que saudade que eu to de você sua sua puta de rua! como que vai?'' ''vou levando né! e você?'' ''indo cada vez melhor. mas vem cá, por que não respondeu minha carta? tava ansiosissíma esperando uma resposta sua!'' ''ah bem, você sabe como é né? eu não tenho as fineza de saber escrever igual você. mas vem cá, que doidisse é essa de viajar pra alemanha?'' ''ah minha querida, fiquei meio cansada dessa vida aqui e resolvi dar um tempinho pra fora. você não quer ir junto?'' ''querer eu até quero, mas como eu vou bancar isso?'' ''você acha que eu não sei da sua situação? se eu te chamei é porque eu tenho tudo esquematizado.'' ''se tá tudo nos esquema então tá beleza. mas bem, eu não tenho nem rg. e passaporte e tudo?" ''eu não disse que arranjo tudo?'' ''você é o máximo georgia.'' ''georgia não bem, gê.'' ''certo. mas por que alemanha?'' ''é que eu tenho uns contatos com uns clientes de lá que ajeitram tudo.'' ''legal bacana. mas e se eu for, quando eu voltar dona gemilce não vai querer me dar o emprego de volta.'' ''tudo bem, eu lhe arranjo outro melhor, tipo o meu.'' ''com esse jeito de puta de esquina que roda a bolsinha que eu tenho?'' ''lógico. ou você se esqueceu que eu comecei do mesmo jeito que você? a gente aprende a ser fina e elegante.'' ''então resolvido, quando a gente vai?'' ''sábado.'' mas hoje já é quinta.'' ''e daí? foge amanhã desse pulgueiro e vem pra minha casa pra sábado a gente decolar.'' ''ai que delicia, vou viajar de avião pela primeira vez.''

quinta-feira, 29 de maio de 2008

matei sim

já que era sadomasoquismo que ele queria, foi sadomasoquismo que ele ganhou. queimei ele inteirinho com cigarro. bati nele até ele dizer chega. depois disse que tinha o toque final. sai e fui até a cozinha. peguei uma faca tramontina de serrinha e cabo de plástico e acabei o serviço. não suporto gente exagerada. ele pedia mais e mais e foi o mais que eu dei pra ele. o problema foi que eu também exagerei. ele morreu. também, já tinha seus cinquenta e tantos. mereceu? não. mas aconteceu e agora já foi. quando eu percebi eu meio que entrei em pânico. nunca pensei que fosse matar uma pessoa. o problema é que a gente pega o gosto. depois que passou o susto eu pensei: já que eu tirei a vida dele mesmo o resto não tem importância. peguei tudo que podia carregar da garçoniere do velhote. a carteira e o carro também. quando eu ia saindo, pensei em limpar digitais e essas coisas, mas lembrei que nem rg eu tenho. eu não sou ninguém. mas vou ser. vendi o carro e guardei o dinheiro. com o dinheiro da carteira comprei muita cocaína. agora eu tinha minha chance de ser alguém na vida. não ficam dizendo por aí que vida de puta é fácil? então, vou conseguir dinheiro mais fácil ainda. tem tanta puta por aí que ninguém vai saber que fui eu. parou de falar e acendeu um cigarro caro. depois de tanto cigarro do paraguai ela achou que merecia.

terça-feira, 13 de maio de 2008

demoniaca da garoa

eu amo são paulo mas, eu não mereço tanto.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

cruzamentos

''ela era uma senhora meio mal-humorada. ela tinha alguns problemas. o marido dela tinha deixado ela por outra depois que deixou ela paralítica. foi um acidente estranho na verdade. ninguém sabe ao certo quem dirigia o carro porque era conversível e os dois foram parar fora dele e acabaram do mesmo lado, no fim que dirigia ninguém sabe. os dois tinham bebido o que deviam e o que não deviam. ela jura que ela dirigia e ela jura que era ele o culpado. no fim ele escapou inteiro só que ela ficou paralítica. daí ele perdeu o tesão por ela e como tinha muito dinheiro, apesar de ser um velho nojento, arranjou uma mocinha. ela acabou ficando com a casa e jurando que o marido tinha morrido. jura que o primeiro filho também morreu. o porque dela achar que o mais velho tenha morrido também eu não sei. eu era muito nova pra entender coisas muito complicadas. morava só com o filho mais novo. naquela mansão. um ator. no que dava pra perceber ela odiava ele, mas no fim das contas ele era o único que fazia companhia pra ela além da minha mãe. mas pelo que eu andava pescando no ar ela ia perder a mansão. e minha mãe e meu pai o emprego, porque o marido morto estava tirando tudo dela e do filho mais novo que acabou apoiando a mãe. foi ela quem me mandou pro puteiro. foi um negócio estranho que eu acho que eu meio que apaguei da minha cabeça. só lembro do motorista, que era meu pai, e ela em um carro grande e bonito e ela conversando e me deixando naquele lugar. foi tudo dentro do carro mesmo, como nessas lanchonetes que a gente pega o lanche pelo carro. só que ninguém pegou nada. só eu fui entregue.'' ''me fale os nomes, as histórias ficam mais interessantes quando tem nomes, mesmo a gente não conhecendo as pessoas.'' ''o marido era o Otaviano, ela Olimpia, o mais velho Argel e o ator era o Amílcar.'' ''cada nome feio.'' ''pois é.''

segunda-feira, 28 de abril de 2008

vida de mentira

''por que tem que ser assim? por que você mente tanto?'' ''trauma de infância.'' ''explica.'' ''quando eu era criança eu era meio, muito inocente. bobinho. todos meus coleguinhas por algum motivo freudiano diziam ter pais policiais. só eu não tinha. e não conseguia mentir como eles, porque no fim das contas eu sabia que eles mentiam, mas mesmo assim eu sentia inferior que eles. hoje, agora que eu sou um pouco mais esperto, porque eu fui aprendendo a ser, eu tento levar vantagem em cima de algumas coisas. eu odeio isso, mas é algo tipo um vício, incontrolável. eu penso naquela caixa de areia, com aqueles balanços coloridos e as crianças dizendo ser filhos de polícia e eu alí parado, me sentindo excluído. é horrivel pensar que umas crianças imbecis me fizeram crescer um cara imbecil.'' ''você não é imbecil.'' ''sou sim. se você entrasse na minha cabeça e descobrisse tudo o que eu penso nunca mais ia querer me ver.'' ''que há de tão medonho?'' ''eu gosto demais de você pra contar. voc6e está comigo por quem você conheceu, não por quem eu sou de verdade. então continuemos assim.'' ''senão eu me sentiria obrigada a lhe deixa entrar na minha também, e acho que não seria idem lá muito agradável.'' ''é muito mais fácil esconder não é?'' ''não tenha duvida!'' ''há quem te conheça de verdade?'' ''tem que me conheça mais do que você, mas de verdade mesmo não. no real mesmo acho que nem eu." '' então um brinde às nossas vidas de mentira!'' ''saúde!''

segunda-feira, 31 de março de 2008

tragédia familiar

''que vergonha, ver meu filho chegando em casa cheio de maquiagem desse jeito. o que seu pai diria se fosse vivo...'' ''meu pai é vivo.'' ''não é!'' ''é sim. e você só fala isso porque ele te trocou por aquela gostosa depois que você ficou aleijada!" ''vai. joga tudo na minha cara. joga que foi culpa minha ele ter deixado a gente vivendo nessa miséria. e você, bonito, podia trabalhar na globo ou em algum lugar assim, mas não, quer ganhar um salário de merda trabalhando naquele teatro ridículo. se maquiando igual uma bicha.'' ''bicha é meu irmão que esqueceu da gente também. voc6e que não me insulte porque eu ainda vou ser grande. mas você não vai viver pra ver. aliás, já devia ter morrido, ao invés de ficar dando trabalho pra mim.'' ''chega!'' ''foi você quem começou sua velha imprestável.'' ''eu disse chega!'' ''da a primeira cuspida depois não aguenta o balde de água gelada? escuta agora. nunca, entendeu? nunca mais fala mal do que eu faço ou de mim. faço demais já em ficar aqui cuidando de você e ajudando nas suas despesas. mais uma vez, mais uma vez que você falar alguma coisa eu vou embora.'' ''filho, eu te amo.'' ''não precisa disso.'' ''mas é verdade.'' ''nem isso eu preciso saber.''

segunda-feira, 17 de março de 2008

cadê os aplausos?

os aplausos estavam cessando em sua vida. não que um dia realmente tivesse sido muito aplaudido, mas mesmo assim era melhor. criança não tem saco pra aplauso, quer sair correndo comprar algodão-doce com a máscara do bob esponja, da cinderela ou do homem-aranha. amílcar não aguentava mais aquele emprego. há muito que já havia se cansado de interpretar o visconde de sabugosa. na verdade fazia apenas um mês, mas já era demais. no entanto não havia outra opção, era a espiga falante e inteligente que pagava a metade do aluguel do pequeno apartamento que dividia com a mãe inválida pensionista do inss. amílcar queria mais, muito mais. queria interpretar jasão, ulisses, édipo, era um aficcionado por tragédias. ou então algum personagem de moliére, shakespeare, algo que fosse grande e arrancaria aplausos esfusiantes dos espectadores. era um bom ator, ou pelo menos se achava um, dizia que a maré não estava boa, mas que com toda certeza melhoraria. afinal ele ainda era novo, tinha chão pela frente, dizia sua mãe.